terça-feira, 22 de abril de 2014

lições da cruz

LIÇÕES DA CRUZ
ENTREGO MEU ESPÍRITO

Para uns, era um espetáculo. Em Jerusalém não tinha circo com gladiadores, mas tinha crucificações no monte Crânio.
Para outros, era a esperança morta, era o fim da linha, era o Reino de Deus frustrado, era o Messias que não se confirmou.
Para a sua mãe, era o filho bom que injustamente perdia.
Alheio ao que se passava, Jesus agonizava.
Ele estava ali havia várias horas. A cruz não se podia ver, senão a silhueta colorida do sangue escorrido do sacrificado. Dor já não sentia porque lhe acabara toda a força. A morte era uma questão de minutos.
Os soldados esperavam a hora para terminar o seu trabalho e ir para casa quando o corneteiro tocasse a buzina, à ordem do centurião.
O público só sairia quando o sábado começasse, naquele ano perto de seis e quinze da tarde da sexta-feira,
Dos familiares de Jesus, só a mãe testemunhou aqueles momentos. Os irmãos e sobrinhos ficaram na Galileia. Maria estava bem acompanhada dos discípulos próximos e de pessoas que começavam uma nova vida naquele cenário de mortes. Um deles era Estêvão.
Estêvão era um moço forte. Aos 29 anos, ganhava a vida como advogado em Jerusalém. Tinha fama de bom orador.
Estava, na verdade, começando a carreira, depois dos estudos em Roma, onde fora recebido por seus amigos judeus. A vida de um advogado em Jerusalém não era fácil, com dois sistemas legais funcionando. A lei de Israel vigorava para os judeus e a lei romana para todos.
No seu ofício, conheceu Simão de Cirene. O homem tinha negócios em Israel, mas todas as vezes que enviava suas mercadorias enfrentava dificuldades. Ele não pagava e não queria pagar propinas e, por isto, procurou um advogado. Eles gostavam de filosofia e Simão, embora fosse produtor agrícola, gostava de falar da ética ensinado pelo filósofo patrício Aristipo de Cirene, discípulo de Sócrates. Conversavam também sobre como viviam os judeus no norte da África. Simeão lhe disse uma vez que gostaria de conhecer a sua cidade.
Os dois marcaram de se encontrar cedo perto do mercado. Não se encontraram porque, em seu caminho, o Cireneu foi obrigado pelos soldados do contubérnio da centúria de Lúcio Paulo a ajudar Jesus a levar a barra da cruz até o monte Crânio.
Estevão procurou por ele, depois, e subiu à sua procura.
Diante do que viu, esqueceu-se do cliente e se postou diante da cruz.
À cada palavra que ouvia de Jesus foi entendendo o que era o Evangelho e se tornou cristão naquele momento. Ele esperava o Messias e tinha certeza que o encontrara. Ouvira alguma coisa a respeito de que o Messias tinha chegado a Jerusalém, mas só o conheceu na morte.
Ele ouviu Jesus orar "Pai, perdoa-lhes" e se perguntou como aquele homem poderia perdoar seus algozes. Era coisa de Messias.
Quando Jesus prometeu ao ladrão o paraíso imediato, seu coração estremeceu: "Eu também quero".
Não conhecia João, mas teve inveja dele quando Jesus lhe deu a tarefa de cuidar da sua mãe.
Depois se perdeu em lágrimas. "Deus meu, Deus meu, porque me abandonaste!". Precisava saber mais. Aproximou-se de um homem que acompanhava atentamente a crucificação, que depois soube ser Tiago ben Zebedeu, e lhe perguntou o que aquilo significava. Tiago lhe explicou:
-- Você não sabe o salmo que começa com essas palavras?
-- Não.
-- Não conhece Isaías, o profeta que descreveu o sofrimento do nosso Messias?
-- Não.
-- Jesus foi abandonado pelo Aba porque todos os nossos pecados foram descarregados em cima dele. Ele morreu em nosso lugar. Como ele se tornou pecado -- ele que nunca pecou -- a comunhão foi interrompida.
Tiago chorou. Estêvão compreendeu. Decidiu ali dedicar toda a sua vida a Jesus e ser um discípulo dele e a defender os seus seguidores que logo seriam muitos.
Depois, ouviu pouco. Queria mesmo era cantar os poucos salmos que sabia, tão feliz estava por ter encontrado o Messias. Não podia.
Sem se preocupar com o que pensassem, o advogado se ajoelhou para agradecer. Foi quando ouviu a outra oração de Jesus:
-- Aba, nas tuas mãos entrego o meu espírito.
Estêvão se levantou. Estêvão entendeu. Jesus estava se despedindo. Estêvão também gostava de metáforas.

POST SCRIPTUM -- Estêvão se tornou mesmo um cristão. Acabou escolhido para ser um dos líderes da igreja que estava nascendo. Defendeu os cristãos. Tentou deter Saulo de Tarso nas investidas contra os primeiros seguidores de Jesus. Perdeu a vida num violento apedrejamento. Suas últimas palavras debaixo das pedras foram:
Senhor Jesus, recebe o meu espírito!
Estêvão gostava mesmo de metáforas.


Israel Belo de Azevedo

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