LIÇÕES
DA CRUZ
ENTREGO MEU ESPÍRITO
Para uns, era um espetáculo.
Em Jerusalém não tinha circo com
gladiadores, mas tinha crucificações
no monte Crânio.
Para outros, era a esperança
morta, era o fim da linha, era o Reino de Deus frustrado, era o Messias que não se confirmou.
Para a sua mãe,
era o filho bom que injustamente perdia.
Alheio ao que se passava, Jesus agonizava.
Ele estava ali havia várias
horas. A cruz não
se podia ver, senão
a silhueta colorida do sangue escorrido do sacrificado. Dor já não sentia porque lhe
acabara toda a força.
A morte era uma questão
de minutos.
Os soldados esperavam a hora para terminar o seu trabalho e ir
para casa quando o corneteiro tocasse a buzina, à
ordem do centurião.
O público
só sairia
quando o sábado
começasse,
naquele ano perto de seis e quinze da tarde da sexta-feira,
Dos familiares de Jesus, só
a mãe
testemunhou aqueles momentos. Os irmãos
e sobrinhos ficaram na Galileia. Maria estava bem acompanhada dos discípulos próximos e de pessoas
que começavam
uma nova vida naquele cenário
de mortes. Um deles era Estêvão.
Estêvão era um moço forte. Aos 29
anos, ganhava a vida como advogado em Jerusalém.
Tinha fama de bom orador.
Estava, na verdade, começando
a carreira, depois dos estudos em Roma, onde fora recebido por seus amigos
judeus. A vida de um advogado em Jerusalém
não era fácil, com dois
sistemas legais funcionando. A lei de Israel vigorava para os judeus e a lei
romana para todos.
No seu ofício,
conheceu Simão
de Cirene. O homem tinha negócios
em Israel, mas todas as vezes que enviava suas mercadorias enfrentava
dificuldades. Ele não
pagava e não
queria pagar propinas e, por isto, procurou um advogado. Eles gostavam de
filosofia e Simão,
embora fosse produtor agrícola,
gostava de falar da ética
ensinado pelo filósofo
patrício Aristipo de Cirene, discípulo de Sócrates. Conversavam
também sobre
como viviam os judeus no norte da África.
Simeão lhe
disse uma vez que gostaria de conhecer a sua cidade.
Os dois marcaram de se encontrar cedo perto do mercado. Não se encontraram
porque, em seu caminho, o Cireneu foi obrigado pelos soldados do contubérnio da centúria de Lúcio Paulo a ajudar
Jesus a levar a barra da cruz até
o monte Crânio.
Estevão
procurou por ele, depois, e subiu à
sua procura.
Diante do que viu, esqueceu-se do cliente e se postou diante da
cruz.
À cada
palavra que ouvia de Jesus foi entendendo o que era o Evangelho e se tornou
cristão
naquele momento. Ele esperava o Messias e tinha certeza que o encontrara.
Ouvira alguma coisa a respeito de que o Messias tinha chegado a Jerusalém, mas só o conheceu na
morte.
Ele ouviu Jesus orar "Pai, perdoa-lhes" e se perguntou
como aquele homem poderia perdoar seus algozes. Era coisa de Messias.
Quando Jesus prometeu ao ladrão
o paraíso
imediato, seu coração
estremeceu: "Eu também
quero".
Não
conhecia João,
mas teve inveja dele quando Jesus lhe deu a tarefa de cuidar da sua mãe.
Depois se perdeu em lágrimas.
"Deus meu, Deus meu, porque me abandonaste!". Precisava saber mais.
Aproximou-se de um homem que acompanhava atentamente a crucificação, que depois
soube ser Tiago ben Zebedeu, e lhe perguntou o que aquilo significava. Tiago
lhe explicou:
-- Você
não
sabe o salmo que começa
com essas palavras?
-- Não.
-- Não
conhece Isaías,
o profeta que descreveu o sofrimento do nosso Messias?
-- Não.
-- Jesus foi abandonado pelo Aba porque todos os nossos pecados
foram descarregados em cima dele. Ele morreu em nosso lugar. Como ele se tornou
pecado -- ele que nunca pecou -- a comunhão
foi interrompida.
Tiago chorou. Estêvão compreendeu.
Decidiu ali dedicar toda a sua vida a Jesus e ser um discípulo dele e a
defender os seus seguidores que logo seriam muitos.
Depois, ouviu pouco. Queria mesmo era cantar os poucos salmos
que sabia, tão
feliz estava por ter encontrado o Messias. Não
podia.
Sem se preocupar com o que pensassem, o advogado se ajoelhou
para agradecer. Foi quando ouviu a outra oração
de Jesus:
-- Aba, nas tuas mãos
entrego o meu espírito.
Estêvão se
levantou. Estêvão entendeu. Jesus estava se despedindo. Estêvão também gostava de metáforas.
POST SCRIPTUM -- Estêvão se tornou mesmo um cristão. Acabou escolhido para ser um dos líderes da igreja que
estava nascendo. Defendeu os cristãos.
Tentou deter Saulo de Tarso nas investidas contra os primeiros seguidores de
Jesus. Perdeu a vida num violento apedrejamento. Suas últimas palavras debaixo das pedras
foram:
— Senhor Jesus, recebe o meu espírito!
Estêvão gostava mesmo de
metáforas.
Israel Belo de Azevedo
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