TAMBÉM AOS GREGOS
A igreja judaico-cristã primitiva demorava a compreender o
sentido universal do cristianismo embora Pedro tivesse sido o instrumento na
comunicação do Evangelho aos primeiros convertidos judeus. Foi Paulo,
capacitado pela revelação de Deus, que teve a visão das necessidades do mundo
gentio, dedicando sua vida à pregação do Evangelho a este mundo. Como nenhum
outro na igreja primitiva, Paulo entendeu o caráter universal do cristianismo e
entregou-se à sua pregação aos confins do império Romano (Rm. 11.13, 15.16).
Poderíamos até dizer que ele tinha em sua mente o slogan “O Império Romano para
Cristo” pelo tanto que ele fez no ocidente com a mensagem da cruz (Rm 15.15,
16, 18-28; At 9.15, 22.21). Embora não poupasse esforços na consecução deste
ministério, ele não negligenciou seu próprio povo, os judeus. Isto se evidencia
por sua procura das sinagogas judaicas logo que chegava a uma cidade e pela
proclamação do Evagelho a todos os prosélitos judeus e gentios que pudessem
ouvi-lo.
I.
O
AMBIENTE DE PAULO
Paulo estava consciente de que devia três lealdades
temporais. Como jovem judeu, ele recebera educação ministrada apenas aos jovens
judeus de futuro e foi educado aos pés de um grande mestre judeu, Gamaliel.
Poucos podiam orgulhar-se de ter mais instrução de que Paulo nos que dizia
respeito à educação religiosa judaica e poucos se aproveitaram tanto da
educação que recebeu (Fp. 3.4-6). Era ele também cidadão romano livre (At.
22.28) e não tinha dúvidas em usar os privilégios de sua cidadania romana
quando estes privilégios podiam ajuda-lo em sua missão por Cristo (At. 16.37;
25.11).
O judaísmo foi seu ambiente religioso anterior a sua
conversão; Tarso foi sua grande universidade e sua atmosfera intelectual, o
palco dos primeiros anos de sua vida; e o império romano foi o espaço político
em que viveu e agiu.
Este ambiente político não parecia ser tão favorável a
alguém para a proclamação do Evangelho. César Augusto provocou a decadência da
República, exceto para a política quando estabeleceu em 27 a.C uma diarquia em
que dividiu nominalmente o controle do estado com o senado. Infelizmente, seus
sucessores não tiveram a habilidade nem a moral de Augusto e governaram mal.
Calígula (37-41) esteve louco durante parte de seu governo; Nero (54-68), sob
quem Paulo foi martirizado e a igreja enfrentou sua primeira perseguição, era
um homem cruel e sanguinário que não titubeou em matar membros de sua própria
família. Entretanto, Cláudio (41-54) foi um excelente administrador e o Império
conseguiu se estabilizar em seu governo. Foi em sua administração que Paulo fez
a maioria de suas viagens missionárias.

A situação social e moral era mais assustadora do que a
política. A pilhagem do Império criou uma classe alta rica de novos
aristocratas que tinham escravos e dinheiro para satisfazer seus muitos desejos
legítimos e ilegítimos. Esta classe desdenhava de certo modo o Cristianismo que
estava nascendo e via seu apelo às classes pobres como uma ameaça à sua posição
elevada na sociedade. Assim mesmo, alguns desta classe se converteram com a
pregação do Evangelho feita por Paulo na prisão em Roma (Fp. 1.13).
Paulo enfrentou também a rivalidade de outros sistemas de
religião. Os Romanos eram de certo modo ecléticos em sua vida religiosa e se
dispunham a tolerar toda religião desde que esta não proibisse seus seguidores
de participar do culto do Estado, que misturava o culto ao imperador com o
velho culto do estado republicano e exigia a obediência de todos os povos do
império exceto judeus, que por lei eram isentos desses rituais. Aos cristãos
não se concedeu tal privilégio e eles tiveram que enfrentar o problema da
oposição do Estado. As religiões de mistério subjetivistas de Mitra, Cibele e
Ísis pediam a associação de muitos outros no império. O judaísmo, de quem o
cristianismo foi distinto como seita separada, enfrentou uma oposição cada vez
maior.
Os intelectuais romanos aceitavam os sistemas filosóficos,
como Estoicismo, o Epicurismo e o Neo-pitagorismo, que sugeriam a contemplação
filosófica como o caminho da salvação. O estoicismo, com sua interpretação
panteísta de Deus, sua concepção de leis éticas naturais descobríveis pela
razão e sua doutrina da paternidade de Deus e fraternidade do homem, parecia
dar fundamento filosófico para o Império Romano. Alguns imperadores como Marco
Aurélio (161-180), aceitaram suas formulações éticas.
Paulo teve que enfrentar este confuso cenário religioso com
o simples evangelho redentor da morte de Cristo. A Arqueologia nos ajuda a
datar pontos chave na vida e na obra de Paulo. Paulo esteve em Corinto 18 meses
quando Gálio tornou-se procônsul (At. 18.12-13). Uma inscrição em pedra,
descoberta em Delfos, menciona que Gálio começou seu trabalho na Ásia no 26°
ano de Cláudio, que foi 51 ou 52 d.C. Assim, a visita de Paulo teria começado
18 meses antes, em 50 d.C. Outras datas em sua vida podem ser calculadas a
partir desta com relativa acuracidade.
A conversão de Paulo foi também um evento histórico
objetivo. Ele falou dela como tal em 1Co. 9.1 e 15.8 e em Gl 1.1-18. Ela
aconteceu no seu encontro com Cristo na estrada para Damasco (At. 9.22-26).
Esta experiência foi vital para seu trabalho missionário, seu ensino, escritos
e teologia.
II.
A
OBRA DE PAULO
A índole de Paulo era tão múltipla que é preciso considerar
a sua obra sob diferentes aspectos. Cada um dos tópicos seguintes destacará a
grandiosidade da tarefa que Deus lhe deu e a aplicação que devotou à realização
desta tarefa.
A. O propagador do evangelho
Paulo era ao mesmo tempo sábio e dedicado missionário. Sua
vida ilustra o uso de princípios que tem servido muito bem à igreja no
cumprimento da grande comissão. Uma das consultas aos mapas de suas viagens
indica o avanço do evangelho através de sua pregação ao longo do semi círculo
que vai de Antioquia a Roma. Paulo adotou como princípio básico a expansão do
Evangelho para o ocidente e é encantador o fato de ter alcançado o seu
objetivo, Roma, embora fosse então, prisioneiro do governo romano.
Paulo pensava também em termos de áreas que poderiam ser
alcançadas a partir de centros estratégicos. Ele sempre começava seu trabalho
numa nova área na cidade mais estrategicamente localizadae usava os convertidos
para levar a mensagem às cidades e regiões adjacentes. É por causa dessa
prática que ele provavelmente não tenha visitado colossos (Cl 2.1), uma vez que
a forte igreja desta cidade tinha sido fundada por aqueles que ele mesmo enviou
de Éfeso.
Ele iniciava seu trabalho nos centros romanos estratégicos
indo primeiro às sinagogas, onde pregava sua mensagem enquanto fosse bem
recebido. Quando surgia a oposição, ele partia para uma proclamação direta do
evangelho aos gentios em qualquer lugar que julgasse adequado. Seu princípio
era pregar aos gentios depois de ter pregado aos judeus. Pelo menos é o que se
depreende do estudo das viagens segundo Atos (Rm. 1.16).
Depois de fundar uma igreja, Paulo organizava com
presbíteros e diáconos, a fim de que o trabalho continuasse após sua partida.
Ele procurava colocar fundamentos sólidos.
Ele não queria ser ônus para as igrejas nascentes que
dirigia, as quais deviam assumir a responsabilidade de se sustentarem enquanto
pregava em uma nova área.
Ele trabalhou em sua profissão de construtor de tendas
enquanto pregava ao povo de Corinto (Atos 18.1-4; 1 Tess. 2.9). ele não fez
disto uma regra pra os outros, mas sentiu que era necessário para o seu
ministério.
A igreja deveria também se auto sustentar. Sua dependência da
orientação do Espírito Santo em sua obra se evidencia claramente tanto nos Atos
como em suas epístolas (Atos 13.2,4; 16.6-7). Ele não desejava ir a um lugar
sem estar absolutamente certo de que aquele era o campo que Deus tinha para o
seu trabalho. Procurava alcançar regiões não alcançadas por outros, a fim de
que fosse sempre um pioneiro do evangelho (Rom. 15.20). Este espírito de
pioneirismo foi muito produtivo, resultando na chegada do Evangelho de
Antioquia a Roma e, possivelmente, à Espanha, no curto tempo de sua vida.
Estes princípios seguidos pelo apóstolo serviram-lhe no
desenvolvimento das igrejas como centros organizados para a continuação da
pregação do Evangelho. Ele não as deixou sem ajuda constante, pois usava
revisitar as igrejas que fundava, a fim de encorajá-lase fortalece-las (Atos
15.36). Não é de admirar o rápido crescimento do cristianismo sob esta
liderança sadia e inspirada. A igreja também deveria ser auto propagadora.
B. As publicações de Paulo
Paulo adotava a prática de se manter em contato com a
situação local em cada igreja através de visitadores dessas igrejas (1 Cor
1.11) ou através de relatos de agentes que enviava a visitar as igrejas (1
Tess. 3.6). Quando a situação local parecia exigir, ele escrevia cartas sob a
direção do Espírito Santo para tratar dos problemas particulares. Ele escreveu
duas vezes à igreja tessalonicense para esclarecer uma má interpretação da
doutrina da segunda vinda de Cristo. A igreja coríntia enfrentava o problema
problema de uma igreja situada numa grande cidade pagã e Paulo escreveu uma
primeira carta para resolver estes problemas que eram referentes à sabedoria
humana e espiritual, próprio de uma igreja localizada numa cidade de cultura
grega (1 Cor. 1-4), o problema da moralidade num ambiente pagão (Capítulo 5),
os processos entre cristãos nas cortes pagãs (6), problemas matrimoniais
(7) e o problema do relacionamento
social com os idólatras pagãos (8-10) foram alguns dos assuntos de que tratou
em sua correspondência. Sua Segunda Epístola aos Coríntios decorreu da
necessidade de afirmar seu apostolado, a fim de que sua autoridade afirmada na
primeira carta fosse confirmada. A carta aos gálatas se fez necessária por
causa do problema da relação da lei judaica com o cristianismo. A carta aos
Romanos é uma exposição e explicação Sistemática de seu Evangelho. As quatro
epístolas escritas durante sua prisão em Roma surgiram devido aos problemas
especiais nas igrejas de Éfeso, Colossos e Filipos. A epístola pessoal a
Filemon trata do problema do senhor e do escravo que se tornam cristãos. As
três epístolas pastorais a Timóteo e a Tito tratam dos problemas próprios de um
jovem pastor.
Deve-se atentar para o fato de que todas estas cartas
surgiram de uma crise histórica definida em alguma das amadas igrejas de Paulo.
A grandiosidade destes “tópicos do momento” reside no fato de que os princípios
que Paulo propôs para resolver os problemas das igrejas do primeiro século
ainda são relevantes para a igreja nos tempos modernos. Os seres humanos
enfrentam problemas semelhantes e semelhantes princípios são úteis embora o
ambiente temporal e espacial seja diferente. As epístolas são sempre de valor
para qualquer igreja na solução de seus problemas. Paulo sempre equilibrou
fórmulas teológicas com aplicação prática.
C. Os
princípios da Teologia de Paulo
Nenhuma discussão histórica sobre Paulo pode se permitir
ignorar as doutrinas básicas desenvolvidas em suas cartas, particularmente na
carta à igreja romana. Cristo não deixou nenhum corpo de doutrinas definido.
Esta formulação coube ao trabalho de Paulo, conduzido pelo Espírito Santo. Este
corpo de doutrinas não estava, entretanto, em contraste com os ensinos de
Cristo mas, antes, partia dos ensinos e morte de Cristo.
A educação de Paulo no lar, na sinagoga e sob Gamaliel; sua
observação da natureza (Rom. 1.19-20), sua experiência de conversão; sua mente
criativa e, acima de tudo, a revelação divina, foram importantes no desenvolvimento
de sua teologia.
A essência do evangelho paulino pode ser sintetizada
facilmente. Paulo entendia que a felicidade e a utilidade eram os objetivos
básicos a que aspiram todos os homens. Felicidade e utilidade nesta vida e na
futura dependem da conquista do beneplácito de Deus. O favor de Deus pode ser
assegurado ao homem que faz a vontade de Deus. Paulo e seus compatriotas judeus
criam que a observância da lei de Moisés, que era uma expressão de santidade de
Deus, garantiria uma vida feliz e útil. Paulo, porém, descobriu a tristeza de
que as obras da lei somente resultavam no conhecimento do pecado e deixavam o
homem sem esperança de executar a vontade de Deus como expressa nessa lei (Rom
7). A experiência na estrada de Damasco revelou a Paulo que não é a lei mas a
cruz de Cristo o ponto de partida para a vida espiritual. Cristo, que guardara
perfeitamente a lei judaica, como homem perfeito e Deus, ofereceu-se na cruz em
lugar do homem pecador e assumiu o fardo do pecado humano. Os homens precisam
aceitar pela fé (Rom 5.1) a obra que Cristo já fez por eles.
O sistema ético de Paulo desenvolve-se a partir da união
pessoal do crente com Cristo pela fé. Esta relação vertical deve ser completada
com uma relação horizontal na qual o crente se une aos irmãos pelo amor cristão
expresso numa vida moral (1 João 3.23; Ef. 1.15). Nem o legalismo do judaísmo,
nem o racionalismo do estoicismo, mas o amor cristão deve ser a fonte da
conduta cristã. A união mística do crente com o Senhor deve ser o fundamento do
amor. Esta vida de amor envolve separação da corrupção pessoal que vem da
adoração de ídolos, da impureza sexual ou da embriaguez – os grandes pecados do
paganismo. O que se deve buscar, então, positivamente, é o serviço do amor para
com os outros e a firmeza quanto à integridade pessoal.
Um sistema de ética assim não significava repúdio da lei
moral judaica mas, antes, representava o cumprimento do elevado nível do amor
na família, na comunidade e na sociedade em geral. Os padrões éticos elevados
dos cristãos impressionavam seus vizinhos pagãos com a grandeza da fé cristã. A
própria vida de Paulo de serviço dedicado era uma indicação tanto a judeus
quanto a gentios do que Deus faria na formação de uma personalidade cristã
dedicada ao serviço para a glória de Deus e para o bem do homem. A filosofia
paulina da história está intimamente ligada à suas posições éticas e
teológicas. Ele rejeitava a teoria cíclica da história, que caracterizava o
mundo antigo, e a teoria moderna de progresso evolutivo indefinido, adotando
uma interpretação sobrenatural cataclísmica da história que se funda no
fracasso do homem não-regenerado e no poder de Deus para executar seu plano
redentor. Esta doutrina não se limita a nações mas engloba a raça humana.
Segundo ela, o progresso pode vir apenas através do conflito espiritual em que
ao homem é dado força através da graça de Deus. Derradeiramente, Deus será o
Vencedor sobre todas as forças do mal que foram provisoriamente derrotadas na
Cruz do Calvário por Cristo (Rom 11.36; Ef 1.10).
D. Paulo como polemista
Paulo jamais se contentava e simplesmente apresentar o
cristianismo. Ameaças à pureza da doutrina cristã levaram-no à luta contra o
inimigo. Pela voz e pela pena, ele lutou pela pureza da doutrina cristã de seu
tempo. Nenhuma interpretação falha da pessoa ou da obra de Cristo escaparam à
sua condenação, nem deixou de tentar convencer os errados a voltarem à fé.
O problema do significado e dos meios da salvação foi a
primeira dificuldade que Paulo enfrentou durante o concílio de Jerusalém ao
final de sua primeira viagem missionária. A igreja, nascida nos quadros do
judaísmo, desenvolvera dois grupos. Um reacionário de cristãos judeus de
formação farisaica cria que tanto os gentios como os judeus deviam observar a
lei de Móisés para a salvação. Eles queriam tornar o cristianismo uma seita
particular do judaísmo. O outro grupo entendia que a salvação vinha pela fé em
Cristo somente e que a oferta da salvação era para todos, e não por meio de
obras.
As visitas dos judaizantes a Antioquia, ostensivamente com
autoridade de Tiago para pregar à moda antiga (Atos 15.24), provocou o encontro
de Jerusalém, em 49 ou 50, a fim de discutir o problema. Comissionados pela
igreja em Antioquia (Atos 15.2) e confirmados por revelação (Gl. 2.2), Paulo e
Barnabé dirigiram-se para Jerusalém para o primeiro e possivelmente mais
importante concílio da igreja em sua história. Eles narraram as suas atividades
numa reunião geral pública da igreja (Atos 15.4-5), após o que se encontraram
com os apóstolos e presbíteros num encontro especial de cunho reservado para
discutir o problema com profundidade e procurar uma solução (Atos 15.6; Gal
2.2-10). Este encontro reservado parece ter sido seguido por outro encontro da
igreja toda no qual a decisão tomada foi referendada por todos os presentes
(Atos 15.7-29). O elogio da obra de Paulo entre os gentios (Atos 15.25-26; Gal.
2.9) e a não-obrigatoriedade dos gentios de guardarem a lei judaica (Atos
15;19) foram os resultados imediatos da conferência. Exigências menores para
satisfazer os crentes judeus como a abstenção de sangue ou coisas sufocadas,
foram estabelecidas. Os gentios convertidos
foram aconselhados também a evitar os pecados da idolatria e da
imoralidade – pecados que poderiam ser uma tentação especial para os convertidos
de um ambiente pagão devasso (At. 15.20-21). Fica logo claro que estas
solicitações em nada feriam os princípios básicos de como o homem é
justificado. Elas foram criadas apenas para facilitar as boas relações entre
convertidos judeus e gentios. Os acontecimentos do Concílio de Jerusalém,
revelaram a tenacidade de Paulo quando uma questão fundamental estava em jogo.
Em nenhum momento ele fala da circuncisão de Tito no Concílio (Gl. 2.3), mas no
começo de sua segunda viagem, quando Timóteo tornou-se seu auxiliar,
circuncidou Timóteo (At 16.1-3), para que a falta deste ritual não fosse um
obstáculo na comunicação do Evangelho. Paulo estava pronto para fazer
concessões secundárias, desde que isso facilitasse seu trabalho; mas ele não
permitiu a circuncisão de Tito em Jerusalém porque a liberdade gentílica quanto
a observância da lei ritual judaica era o princípio pelo qual lutava.
A liberação do cristianismo da observância da lei cerimonial
judaica foi o resultado de maior alcance do Concílio. A partir daí, a fé
permanece como único meio pelo qual o homem alcança a salvação. Como esta fé é
universal, o cristianismo está isento de perigo de tornar-se uma simples seita
do judaísmo. A nova lei do Amor, que conduz a observância da lei moral judaica
a partir do amor a Deus e não de um sentido de obrigatoriedade, torna-se então,
a base da ética cristã. É interessante notar a feição democrática com que a Igreja
resolveu seu grande problema. A decisão foi tomada pela igreja e seus líderes
sob a direção do Espírito Santo. Os cristãos judeus, que tinham sido salvos pela
fé, ficaram livres para observar a lei de Moisés como uma tarefa voluntária
caso quisessem.
O cristianismo não pode esquecer a lição do concílio de
Jerusalém. Se isto acontecer ele perderá a sua vitalidade. O mesmo problema foi
enfrentado pelos Reformadores, que viram a igreja romana exigir obras humanas
em acréscimo a fé como condição para a salvação. Os liberais modernos com sua
ênfase sobre um Deus alcançável pelas realizações éticas incorreram no mesmo
erro. O problema do Concílio de Jerusalém é perene e ao princípios que
triunfaram são os princípios que se mostraram relevantes através da história da
igreja.
Paulo enfrentou também o desafio do racionalismo grego
quando lutou contra um gnosticismo incipiente na Igreja. Alguns homens
procuravam intelectualizar os meios da salvação assim como os cristãos judeus
tinham tentado legaliza-los. O gnosticismo tornou-se um perigo especial na
igreja colossense. Os gnósticos sustentavam uma filosofia dualística que fazia
uma clara distinção entre o espírito como bem e a matéria como mal. De acordo
com eles, o elo entre espírito puro e matéria má é uma hierarquia de seres
celestiais. Cristo é visto como um membro desta hierarquia. Os anjos devem
receber culto por serem parte desta hierarquia (Cl 2.8; 18-19). A salvação deve
ser alcançada principalmente por atos ascéticos de negação dos desejos do corpo
material e mau (Cl. 2.14-17, 20-23) e por uma gnosis especial ou conhecimento
acessível somente à elite entre os cristãos. A fé é relegada a uma posição
secundária neste sistema que serve aos interesses do orgulho humano.
Paulo respondeu a esta heresia pela afirmação irrestrita da
total suficiência de Cristo como Criador e Redentor (Cl. 1.13-20). Cristo é a
plena manifestação de Deus e não é de forma alguma inferior a Deus (Cl. 1.19;
2.9). Somente nesta doutrina, sentia Paulo, que o homem podia ter segurança de
um Salvador capaz de resolver o problema do pecado.
O gnosticismo foi a primeira heresia enfrentada pela igreja,
mas não seria a última. O erro é perene e geralmente surge pelos mesmos motivos
em várias ocasiões. O orgulho da razão humana e sua tendência racionalista
podem levar a heresia, como foi o caso da igreja em Colossos. A permanência da
herança religiosa do período pré cristão na vida individual pode levar a uma
mistura de verdade e erro com terríveis consequências para a salvação. Foi este
o erro dos judaizantes. Mau uso ou ênfases exagerados de alguma passagem
bíblica podem provocar o erro. Às vezes o líder equivocadamente entusiasmado,
na tentativa de proteger a verdade, pode subverte-la; foi este o caso de
Montano no segundo século.
Não surpreende que Paulo, com esta fé, com esta coragem e
com uma sólida perspectiva de sua tarefa tenha sido capaz de levar a mensagem da
salvação às nações gentílicas do Império Romano e fincar a cultura cristã na
sua triunfante caminhada ocidental pela Europa.
Ele foi o intérprete singular do significado da vida e da
morte de Cristo em termos de salvação para o homem pecador. Ele deixou a fé
livre da intromissão do legalismo e do racionalismo. Ele cuidou dos detalhes da
organização das igrejas cristãs e se manteve em constante correspondência com
elas a fim de resolver seus problemas segundo uma perspectiva cristã. Como
ninguém Paulo compreendeu o significado cósmico de Cristo no tempo e na
eternidade. Foi ele que, Como “Apóstolo dos gentios” (Rm 11.13; 15.16)
interpretou Cristo ao mundo gentio.